A
frase bíblica “Não toqueis nos meus ungidos” (Sl 105.15) tem sido
empregada para os mais variados fins. Maus obreiros e falsos profetas se
valem dela para ameaçar seus críticos; crentes mal-orientados usam-na
para defender certos “ungidos”; e outros ainda a empregam para reforçar a
idéia de que não cabe aos servos de Deus julgar ou criticar heresias e
práticas antibíblicas.
Quando
examinamos o contexto da frase acima, vemos que ela está longe de ser
uma regra geral. Uma leitura atenta do Salmo 105 não nos deixa em
dúvida: os ungidos mencionados são os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó
(Israel) e José (vv.9-17). Ademais, o título “ungido do Senhor”
refere-se tipicamente, no Antigo Testamento, aos reis de Israel (1 Rs
12.3-5; 24.6-10; 26.9-23; Sl 20.6; Lm 4.20) e aos patriarcas, em geral
(1 Cr 16.15-22).
Conquanto
a frase não encerre um princípio geral, podemos, por analogia, afirmar
que Deus, na atualidade, protege os seus ungidos assim como cuidou dos
seus servos mencionados no Salmo 105. Mesmo assim, não devemos presumir
que todas as pessoas que se dizem ungidas de fato o sejam. Lembre-se do
que o Senhor Jesus disse acerca dos “ungidos”: “Nem todo o que me diz:
Senhor, Senhor! Entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade
de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7.21).
É
claro que a Bíblia apóia e esposa o pensamento de que o Senhor cuida
dos seus servos e os protege (1 Pe 5.7; Sl 34.7). Mas isso se aplica aos
que verdadeiramente são ungidos, e não aos que parecem, pensam ou dizem
sê-lo (Mt 23.25-28; Ap 3.1; 2.20-22). Afinal, “O Senhor conhece os que
são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da
iniqüidade” (2 Tm 2.19).
Quando
Paulo andou na terra, havia muitos “ungidos” ou que aparentavam ter a
unção de Deus (2 Co 11.1-15; Tt 1.1-16). O imitador de Cristo nunca se
impressionou com a aparência deles (Cl 2.18,23). Por isso, afirmou: “E,
quanto àqueles que pareciam ser alguma coisa (quais tenham sido noutro
tempo, não se me dá; Deus não aceita a aparência do homem), esses, digo,
que pareciam ser alguma coisa, nada me comunicaram” (Gl 2.6).
Aparência, popularidade, eloquência, títulos, status,
anos de ministério… Nada disso denota que alguém esteja sob a unção de
Deus e imune à contestação à luz da Palavra de Deus. Muitos enganadores,
ao serem questionados quanto às suas pregações e práticas antibíblicas,
têm citado a frase em análise, além do episódio em que Davi não quis
tocar no desviado rei Saul, que fora ungido pelo Senhor (1 Sm 24.1-6).
Mas a atitude de Davi não denota que ele tenha aprovado as más obras
daquele monarca.
Se
alguém, à semelhança de Saul, foi um dia ungido por Deus, não cabe a
nós matá-lo espiritualmente, condená-lo ao Inferno. Entretanto, isso não
significa que devamos silenciar ou concordar com todos os seus desvios
do evangelho (Fp 1.16; Tt 1.10,11). O próprio Jônatas reconheceu que seu
pai turbara a terra; e, por essa razão, descumpriu, acertadamente, as
suas ordens (1 Sm 14.24-29).
O
texto de Salmos 105.15 em nenhum sentido proíbe o juízo de valor, o
questionamento, o exame, a crítica, a análise bíblica de ensinamentos e
práticas de líderes, pregadores, milagreiros, cantores, etc. Até porque o
sentido de “toqueis” e “maltrateis” é exclusivamente quanto à inflição
de dano físico.
É
curioso como certos “ungidos”, ao mesmo tempo que citam o aludido
bordão em sua defesa — quando as suas práticas e pregações são
questionadas —, partem para o ataque, fazendo todo tipo de ameaças. O show-man Benny
Hinn, por exemplo, verberou: “Vocês estão me atacando no rádio todas as
noites — vocês pagarão e suas crianças também. Ouçam isto dos lábios
dum servo de Deus. Vocês estão em perigo. Arrependam-se! Ou o Deus
Altíssimo moverá sua mão. Não toqueis nos meus ungidos…” (citado em Cristianismo em Crise, CPAD, p.376).
Quem
são os verdadeiros ungidos, os quais, mesmo não se valendo da frase
citada, têm de fato a proteção divina, até que cumpram a sua vontade?
São os representantes de Deus que, tendo recebido a unção do Santo (1 Jo
2.20-27), preservam a pureza de caráter e a sã doutrina (Tt 1.7-9;
2.7,8; 2 Co 4.2; 1 Tm 6.3,4). Quem não passa no teste bíblico do caráter
e da doutrina está, sim, sujeito a críticas e questionamentos (1 Tm
4.12,16).
Infelizmente,
muitos líderes, pregadores, cantores e crentes em geral,
considerando-se ungidos ou profetas, escondem-se atrás do bordão em
análise e cometem todo tipo de pecado, além de torcerem a Palavra de
Deus. Caso não se arrependam, serão réus naquele grande Dia! Os seus
fabulosos currículos — “profetizamos”, “expulsamos”, “fizemos” — não os
livrarão do juízo (Mt 7.21-23).
Portanto,
que jamais aceitemos passivamente as heresias de perdição propagadas
por pseudo-ungidos, que insistem em permanecer no erro (At 20.29; 2 Pe
2.1; 1 Tm 1.3,4; 4.16; 2 Tm 1.13,14; Tt 1.9; 2.1). Mas respeitemos os
verdadeiros ungidos (Hb 13.17), que amam o Senhor e sua Santa Palavra,
os quais são dádivas à sua Igreja (Ef 4.11-16).
Quanto
aos que, diante do exposto, preferirem continuar dizendo —
presunçosamente e sem nenhuma reflexão — “Não toqueis nos meus ungidos”,
dedico-lhes outro enunciado bíblico: “Não ultrapasseis o que está
escrito” (1 Co 4.6, ARA). Caso queiram aplicar a si mesmos a primeira
frase, que cumpram antes a segunda!
Que Deus tenha muita, mas muita mesmo, misericórdia sobre a minha vida!